Trabalhadoras, inofensivas e extremamente organizadas, as abelhas nativas sem ferrão fizeram morada no Parque das Nações Indígenas. Desde janeiro deste ano, em meio à vegetação e ao lado da pista de caminhada, elas vivem em caixas de madeira de aparência idêntica, enfileiradas, lembrando um grande condomínio desses insetos alados.
O local desperta a curiosidade dos frequentadores do espaço público. Já foi palco de visitas guiadas e cursos que atraíram dezenas de interessados em descobrir as técnicas, segredos e truques para criá-las corretamente, de maneira racional.
Juntamente com as “primas” africanizadas, que ferroam quando ameaçadas, desempenham um importante papel na natureza fazendo a polinização das plantas. Tamanha é a relevância que as abelhas ganharam um dia só delas: 20 de maio.
Por isso, a Agraer convida a conhecer as peculiaridades das moradoras do meliponário, mas antes vale recordar que o local foi criado a partir de uma iniciativa inédita em Mato Grosso do Sul pela Alespana (Associação Leste Pantaneira de Apicultores) e Agraer (Agência de Desenvolvimento Agrário e Extensão Rural)/Semadesc com recursos do Funles (Fundo Estadual de Defesa e de Reparação de Interesses Difusos e Lesados).
Abelhas Jataí
Homenagem
Impossível falar de abelhas nativas sem ferrão sem lembrar da mais conhecida entre elas: a jataí (Tetragonisca fiebrigi). Tamanha é a fama que deu origem ao nome do município de Jateí, no sul do Estado.
Na época em que o local era apenas um povoado, diz a lenda que um grupo de lenhadores foi cortar madeira em uma mata que conhecidamente abrigava colônias dessa espécie em ocos de árvores.
Um deles esqueceu o machado no local. Ao voltar para casa, disse ao filho que o havia largado “no jateí”.
Ao olhar para as colmeias, é possível observar um grupo de “guardas” voando ao redor da entrada. A posição de cada uma dessas “abelhas drone” não é aleatória, conforme descobriram cientistas do Departamento de Entomologia e Acarologia da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da Universidade de São Paulo (Esalq-USP) e da University of Sussex, da Inglaterra.
Jataís mantém as vigias simetricamente posicionadas para aumentar o campo de visão coletivo e barrar a entrada de invasores.
Gosto peculiar
Cada espécie de abelha nativa sem ferrão produz seu mel com características próprias, alguns mais espessos, outros mais finos; alguns de coloração clara, outros mais escura. O sabor também varia e no caso da borá (Tetragona clavipes), é bastante semelhante ao de queijo parmesão. Ele tem sido utilizado em receitas na alta gastronomia.
Minúscula
O meliponário reúne abelhas de todos os tamanhos e uma delas é considerada uma das menores do mundo: a lambe-olhos (Leurotrigona muelleri). Ela mede apenas 1,5 milímetro e leva este nome porque é atraída pela secreção que umedece o globo ocular.
Tempero
Embora seja possível produzir vinagre a partir de mel, o produto da mirim guaçu (Plebeia remota) tem uma acidez característica que nas mãos de vários chefs brasileiros já se tornou um substituto para dar sabor às saladas.
Artesãs
Pretas com listras amarelas, as mandaçaias (Melipona quadrifasciata quadrifasciata) estão entre as hóspedes do meliponário que mais lembram as “primas” do gênero apis (com ferrão).
Não é à toa que seu nome tem origem em língua indígena e significa vigia bonito. Primeiro, porque constrói sua entrada com barro formando ranhuras que lembram uma aranha, há quem diga que a artimanha espanta muitos predadores. Segundo, porque é possível observar uma guarda à espreita pelo buraco que dá acesso à colmeia.
Mandaçaia pantaneira
Sul-mato-grossenses
A mandaçaia pantaneira (Melipona orbignyi) é muito semelhante às anteriores, tanto que leva o mesmo nome. A diferença está na coloração dourada que ela tem no tórax. Seu hábitat faz com que ela seja encontrada, além do Estado, apenas no Mato Grosso e na Bolívia. Por isso, não é permitida sua criação fora dessas localidades.
Rara
Embora seja difícil encontrar algumas espécies de abelhas nativas na natureza, a uruçu amarela (Melipona rufiventris) é a única do meliponário que figura na lista de animais em extinção no Brasil.
A zootecnista Jovelina Maria Oliveira, chefe do setor de abelhas da Agraer, afirma que o “sumiço” dessa abelha se deve ao fato da uruçu ser dócil e produzir bastante mel em comparação com as demais. Assim, muitas vezes enxames em troncos acabam dizimados para coleta ilegal.
Vale recordar ainda que esta e as demais espécies (com e sem ferrão) sofrem com o uso indiscriminado de agrotóxicos nas lavouras.
Uruçu amarela
Rainhas de emergência
Os ninhos das abelhas nativas sem ferrão têm formas que variam de espécie. No meliponário, a maior parte deposita os ovos em discos sobrepostos, mas algumas, como a marmelada (Frieseomelitta varia) e a mirim luci (Plebeia lucii) constroem estruturas em formas de cachos.
Cientistas já notaram que estas duas espécies têm comportamento peculiar. Quando ficam órfãs, as operárias dão origem às chamas “rainhas de emergência”. Elas botam ovos cujas larvas acabam superalimentadas e “assumem” a gestão da colônia.
A doutora em entomologia Lila Vianna Teixeira, professora do IFMT (Instituto Federal do Mato Grosso) explica que essa característica já foi observada em outras abelhas sem ferrão.
“Inicialmente, esse comportamento foi identificado em colônias de abelhas marmelada. Até onde sabemos, está presente apenas em espécies que apresentam células de cria dispostas em forma de cacho”, pontua.
Bravas
Todas as nativas sem ferrão são inofensivas, mas algumas podem incomodar quem não está acostumado aos seus hábitos defensivos. A mandaguari (Scaptotrigona sp.) é uma delas. Ao abrir a caixa, elas não deixam barato e voam perto da região do rosco, enrolando nos cabelos e às vezes beliscando um pouco.
Não são grandes produtoras de mel, mas produzem própolis em boa quantidade.
Esconde-esconde
Enquanto algumas abelhas nativas sem ferrão se defendam com beliscões, outras se escondem quando o meliponicultor se aproxima. Apesar de o comportamento ser comum, a iraí (Nannotrigona testaceicornis) acabou levando a fama de ser a mais tímida.
Assim como as jataís, elas têm o costume de fechar a entrada durante a noite. Os potes de alimento são pequenos e podem atingir 1,5 cm de altura e suas colônias podem ter até três mil indivíduos.
Mirim Juliani
Curtindo a Estação
Colônias de abelhas nativas sem ferrão variam em número de indivíduos. No caso da mirim juliani (Plebeia julianii), durante o outono e inverno a rainha para de fazer postura, fazendo com que a população da colmeia seja reduzida. Faz sentido, já que nesses períodos a quantidade de alimento é menor e a temperatura externa pode não ser muito agradável para coleta.
Esse comportamento é chamado de diapausa. Existem outras abelhas no meliponário que também o adotam.
Com informações da assessoria