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Publicado em: 14/06/23


Produzida pelo corpo humano em resposta à exposição solar, a vitamina D é essencial para garantir a absorção de cálcio no organismo e está ligada à atividade cerebral. Mas a relação entre os níveis da vitamina e os sintomas de depressão, doença que atinge mais de 320 milhões de pessoas por ano, segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) de 2020, ainda é controversa. Um estudo publicado em julho de 2022 reacendeu essa discussão: afinal, os suplementos de vitamina D podem ser indicados em tratamentos de saúde mental?

As causas da depressão ainda são cercadas de incertezas, como explica o psiquiatra Alfredo Maluf, coordenador do Núcleo de Medicina Psicossomática e Psiquiatria do Hospital Israelita Albert Einstein. Atualmente, a maioria dos pesquisadores defende que a doença depende não apenas de questões biológicas, como os níveis de serotonina e dopamina, mas também do estilo de vida e de fatores genéticos do paciente. O que se sabe, no entanto, é que a vitamina D está envolvida em alguns dos sistemas cerebrais que estão vinculados à depressão.

“Existem várias teorias para explicar essa doença, mas sabemos que a vitamina D participa tanto na estrutura neurobiológica, por meio dos receptores do cérebro, como na regulação de algumas atividades cerebrais que podem estar ligadas à depressão também. O que temos certeza é que a vitamina D está envolvida em alguns dos processos neurobiológicos da depressão”, explica Maluf.

 

Por conta dessa conexão, dezenas de pesquisadores em todo o mundo se dedicam a investigar os efeitos da vitamina D na depressão. Uma pesquisa de julho de 2022, publicada no periódico “Critical Reviews In Food Science and Nutrition”, revisou dados de 41 estudos científicos publicados nos últimos anos. A análise concluiu que há indícios de que a suplementação de vitamina D pode, sim, trazer benefícios para pacientes com sintomas de depressão.

Para o psiquiatra, os achados são interessantes, mas devem ser analisados com cautela. “Esse estudo recente é robusto e mostra que a vitamina D pode beneficiar [o tratamento de depressão], sim. Mas as amostras das pesquisas também trazem alguns questionamentos, devido à heterogeneidade das populações. Vamos precisar de mais estudos ainda para poder concluir algo”, diz Maluf.

Visão dos autores

A necessidade de mais evidências também é reconhecida pelos próprios autores do artigo, que destacam que novas análises devem investigar os possíveis benefícios de doses mais altas de vitamina D para pacientes com quadros de depressão.

“Nossos resultados sugerem que a suplementação de vitamina D tem efeitos benéficos tanto em indivíduos com diagnósticos de depressão quanto naqueles com sintomas depressivos mais leves. Entretanto, há evidências conflitantes que precisam ser consideradas na interpretação dos resultados”, afirma na publicação o pesquisador finlandês Tuomas Mikola.

O estudo, conduzido por especialistas da Austrália, Estados Unidos e Finlândia, mostrou que os suplementos de vitamina D foram mais eficazes no combate aos sintomas de pacientes diagnosticados com depressão quando administrados por períodos curtos, de até 12 semanas, e com doses de 50 a 100 microgramas diárias.

A conclusão vai na direção oposta de outras publicações, como um estudo de 2020 feito nos Estados Unidos que concluiu que a vitamina D não tem efeitos contra a depressão em adultos e idosos.

Na pesquisa, da qual participaram mais de 18 mil homens e mulheres com mais de 50 anos, metade dos participantes recebeu suplementação de vitamina D3 por uma média de cinco anos, e a outra metade recebeu placebo pelo mesmo período. Os cientistas concluíram que não houve diferença significativa entre os dois grupos.

A aparente contradição entre as diferentes publicações mostra que ainda não existe uma unanimidade sobre o uso da suplementação em pacientes com depressão que não apresentem deficiência de vitamina D. Por enquanto, a medicação é indicada para aqueles que já foram diagnosticados com hipovitaminose, ou seja, com níveis baixos da vitamina no sangue.

“Do ponto de vista psiquiátrico existe uma tendência clara de que é preciso, sim, tratar as deficiências de vitamina D. Quando nós pedimos um exame e encontramos uma hipovitaminose, a gente trata. Agora, suplementar em pacientes com depressão, porém com níveis normais de vitamina D no sangue, o próprio estudo diz que ainda é algo questionável”, explica Maluf.

Como funciona a vitamina D

A principal fonte de vitamina D não está na alimentação, mas na exposição solar: a dieta garante cerca de 10% da quantidade necessária de vitamina D, enquanto o sol é responsável por 90% da absorção do micronutriente.

Produzida nos tecidos da pele após a exposição solar, a vitamina tem duas apresentações diferentes, neste estágio: o colecalciferol e o ergocalciferol. Essas substâncias são transportadas até o fígado e, nesse órgão, sofrem modificações e formam o calcidiol, também conhecido como o estoque de vitamina D do organismo. Depois, o calcidiol segue para os rins, nos quais forma o calcitriol, que é a forma ativa da vitamina D no corpo humano.

A deficiência de vitamina D, que afeta milhões de pessoas no mundo, costuma ser corrigida com a ajuda de suplementos. No Brasil, não há dados consolidados de quantas pessoas têm níveis insuficientes de vitamina D no sangue, mas uma pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) publicada em 2011 indica que a dieta da maioria da população não inclui alimentos ricos no micronutriente, como carnes, peixes, ovos e leite, em quantidades satisfatórias.

Em quadros leves, a deficiência de vitamina D não costuma provocar sintomas e é identificada por meio de exames de sangue. Mas, a longo prazo, sua principal consequência é a perda de massa óssea, que causa osteoporose e, consequentemente, maior risco de fraturas. Em casos raros, ela pode causar ainda uma redução no nível de cálcio no sangue, chamada hipocalcemia.

Já o excesso de vitamina D no organismo provoca a hipercalcemia, que pode levar a um quadro de intoxicação que, apesar de raro, pode ser bastante grave, segundo a endocrinologista do Hospital Israelita Albert Einstein, Adriana Martins Fernandes.

“Um quadro de hipercalcemia tem manifestações que podem ir de leves a muito graves. Os sintomas mais comuns são neurológicos: em pacientes mais leves há queixas de memória e sintomas depressivos. Mas, em casos graves, a hipercalcemia pode provocar também arritmias, por exemplo, e levar até à morte”, explica a médica.

Cautela no uso de suplementos

A intoxicação por excesso de vitamina D também pode trazer sintomas gastrointestinais, como indigestão e azia, ou afetar os rins e evoluir para um quadro de insuficiência renal, segundo endocrinologistas.

Esse cenário, apesar de raro, tem se tornado mais comum nos últimos anos por conta da popularização de suplementos vitamínicos. As crenças, ainda não comprovadas, de que a vitamina D teria efeitos positivos em diversas outras doenças, que vão desde esclerose múltipla a diabetes, também potencializou a tendência à automedicação.

Outra conexão ainda não comprovada cientificamente é a de que níveis elevados de vitamina D estariam ligados a quadros mais leves de Covid-19. Essa crença levou a um aumento na procura por esses produtos. Nos Estados Unidos, a venda de suplementos, em geral, cresceu 44% durante a primeira onda de coronavírus no país, segundo uma pesquisa ligada à Universidade da Pensilvânia. Já no Brasil, um estudo feito na Universidade Estadual de Maringá (UEM), no interior do Paraná, mostrou que as vendas de vitamina D em farmácias da cidade ficaram 10 vezes maiores com a pandemia.

Apesar da facilidade de acesso aos suplementos, que são vendidos sem receita nas farmácias e pela internet, a recomendação dos médicos é a de que cápsulas que contém vitamina D sejam usadas apenas com acompanhamento profissional, e por períodos determinados.

“No geral, não existe uma indicação para uso contínuo: o suplemento é necessário só até reverter essa deficiência. Isto porque a vitamina D é sintetizada, principalmente, pela exposição solar. Então é isso que vai ajudar a manter esse nutriente em níveis saudáveis depois da suplementação”, explica a endocrinologista do Einstein.

Fonte: Agência Einstein

 

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