São quase 26 anos de um projeto social por onde já passaram em torno sete mil crianças e adolescentes. Durante todo este tempo o “Asas do Futuro” atendeu três gerações em Campo Grande, sempre com a ajuda de parceiros, incluindo o Governo de Mato Grosso do Sul.
Aulas de futebol, dança, música, literatura, doações de alimentos e até acompanhamento psicológico. São várias as atividades oferecidas em três regiões da cidade. Histórias de famílias agradecidas pela iniciativa também são muitas.
A primeira mãe entrevistada começou a falar do projeto tomada pela emoção. Ao dizer o quanto as aulas oferecidas de graça mudaram a vida do filho, os olhos de Alaíde Martinez, de 39 anos, ficaram cheios de lágrimas.
O sinal de gratidão veio antes mesmo das palavras. Ryan, de 10 anos, começou a participar do projeto pouco tempo depois da morte do pai.
“O futebol aqui no projeto ajudou muito a diminuir a ansiedade dele. O comportamento mudou bastante. E este ano ele foi convidado por outro time para jogar em Rondonópolis no Mato Grosso. Fiquei mais feliz ainda que ele visitou a bisavó que ainda não conhecia, passou o aniversário lá”, conta.
Ryan fala do sentimento de ver a mãe contente com os avanços dele: “Me sinto feliz que minha mãe esteja orgulhosa de mim. Sonho ser jogador de futebol e médico veterinário. Estudo em primeiro lugar”.
O projeto “Asas do Futuro” começou em uma casa de esquina comprada para ser mercearia em frente a um campo de futebol no Bairro Dom Antônio Barbosa. O casal Cristiano Lourenço da Silva, de 60 anos, e Jaqueline Teixeira da Silva, de 55, veio com os filhos do interior do Estado depois de muito tempo trabalhando em uma escola agrícola.
A família decidiu abrir um comércio e logo veio o pergunta do filho Diego: Cadê as crianças para brincarem comigo? Criança na vizinhança não faltava, mas os pais trabalhavam na coleta de materiais recicláveis e não tinham com quem deixá-las. Foi neste cenário que surgiu o projeto.
“Na época não tinha nem escola, era anexo. As mães às vezes nem conseguiam vaga. Deixavam a criança aqui brincando e iam para o lixão ‘bater gancho’. Falavam: ‘Posso deixar meu filho aqui um pouquinho? Vou rapidinho ali e já volto’. Com isso começaram a chegar as crianças”, conta Jaqueline ou dona Jaque, como é conhecida.
O filho complementa as lembranças da mãe: “Era uma equipe, depois duas, três, quatro. Quando fomos ver tinham 150 crianças e o mercadinho faliu. Investimos em futebol, campeonato”.
Um projeto de vida que surgiu em meio a uma região marcada por vulnerabilidade social e insegurança. “A gente conseguiu reverter muita situação de criança que o destino era traçado para estar na marginalidade, fazendo coisa errada. Nosso objetivo sempre foi formar cidadãos de bem”, relata a família.
Dona Leonir Ferreira, de 61 anos, descobriu o projeto ao ver uma reportagem. Encontrou as portas abertas para o neto Isaac de 7 anos participar, o que ajudou no tratamento de transtorno do déficit de atenção com hiperatividade.
“Ele não se concentrava, não tinha amizade e era muito nervoso. Além de estar mais sociável, sabe ler e escrever. Tem boas notas e falou: ‘Estou orgulhoso de mim mesmo’. Adquiriu autoconfiança e ama jogar futebol”, conta a avó. Isaac tem planos para a carreira e diz “quero ser goleiro”.
Aos 30 anos de idade, Aline Xavier lembra com carinho do tempo em que participou do projeto na infância. “Eu frequentei, meu marido, meus irmãos e agora fez sete anos que minha filha frequenta. Faz muita diferença esta iniciativa, ainda mais quando chega a sexta-feira que tem doação de verdura também”, relata.
Gerações da família da Joyce Anunciação, de 36 anos, também passaram pelo projeto. “Toda mãe que tem o filho aqui fica tranquila”, conta a auxiliar de serviços gerais que ainda complementa: “Minha filha ama as aulas e quer ser professora de capoeira”.
Para Clécio Maciel Matoso, de 38 anos, o sonho de ser um jogador profissional de futebol se transformou em realidade durante a passagem pelo “Asas do Futuro”. Ele foi um dos primeiros alunos.
Conseguiu construir uma carreira vitoriosa no esporte sendo campeão estadual 4 vezes pelo Coxim Atlético Clube, Novo Operário e Comercial. Atualmente é um dos professores do projeto.
“Hoje trabalho em uma empresa. Parei de jogar profissionalmente em 2015. Conheci vários lugares. Joguei contra grandes jogadores. Participei de competições nacionais como Copa do Brasil através do projeto. É acima de tudo você saber que consegue chegar onde quer e eu sou prova disso”, conta ele que tem o filho como um dos alunos.
Compartilhar as conquistas e retribuir o que recebeu através dos ensinamentos repassados em campo é extremamente compensador para ele. “Eu sou a história dentro do projeto e hoje meu filho viver isso não tem preço. O esporte é a ferramenta mais barata de inclusão social. Foi comigo e está sendo com outras crianças”, destaca.
Mãe de um ex-aluno do projeto, Emanoelli Costa, cabeleireira de 43 anos, diz que as aulas ajudaram a formar o caráter do filho: “Ou ele se envolvia com o pessoal da droga ou com pessoal do esporte. Graças a Deus temos a opção deste caminho para nossos filhos. Ele construiu a família dele e hoje aos 23 anos trabalha como gerente de garçom em Bonito”.
Emanoelli lembra que o atendimento do projeto vai além das atividades. “Aqui eles exigem frequentar escola, tirar boas notas, pais presentes e o carinho é muito grande”, detalha.
Agora é a vez de acompanhar a filha mais nova, Dini Izadora, de 6 anos nas aulas de capoeira e balé, também dentro do projeto que ainda oferece lanche, oficinas de violão, violino, percussão, rodas de conversa com pais e incentivo à leitura.
Com repasses do Estado foram produzidos livros escritos por alunos. Nas páginas estão textos e desenhos como do Kauã Martins, de 11 anos, onde João é um personagem que se torna o melhor jogador de futebol do mundo. Afinal, no “Asas do Futuro” crianças e adolescentes aprendem que todos podem realmente escrever a própria história.
A parceria com iniciativas assim é prioridade para o Governo de Mato Grosso do Sul, através da Sead (Secretaria de Estado de Assistência Social e dos Direitos Humanos) que faz um acompanhamento do trabalho feito pelas organizações da sociedade civil.
“O Governo do Estado vem dando incentivo financeiro e até estrutural para algumas organizações. É um dinheiro bem investido. O chamamento público do ano passado foi de R$ 4,5 milhões para 54 organizações. Temos emendas parlamentares, são cerca de 85 entidades beneficiadas por emendas. Este ano pretendemos estender isso para mais de 70 organizações beneficiadas com recurso público”, diz José Henrique de Andrea Denis, superintendente do Terceiro Setor na Sead.